12:09:2019

Olho para cima e consigo ver estas linhas que seguem caminho lado a lado sob um céu cinza. Tem dias que me resta pouco mais que a esperança. Essa dos dias invencíveis. A mesma dos dias ténues. Mas sigo, contigo, rumo. Passo a passo. Decidido e tropeção. Com a ideia de que no final estas linhas, tal como eu e tu, no final se tocam. Porque precisamos, e sempre precisarei, de um cruzamento. Contigo.

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30:04:2019

Pelo caminho encontro um gato. Os nossos olhares enfrentam-se e de imediato perco-me em pensamentos que, na realidade, não têm qualquer propósito: Quem está do lado certo das barras? Quem tem a liberdade de as atravessar? Quem és tu, Schrödinger?
O gato tem a inteligência de me interromper ao abandonar o seu lugar. Sem um adeus, dou-me por derrotado. Sigo caminho com a consciência de que foi tempo perdido. Certamente o gato estará neste instante a expelir uma qualquer bola de pêlo e com ela todas as minhas certezas. Só me resta agradecer-lhe tamanha generosidade.

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04:02:2019

A vida por vezes oferece-nos aquilo que tememos. No meu caso, deixar-me banhar pelos raios de sol sem sentir o impulso imediato de me esconder. Traidor instinto, pergunto-te, que poderia eu ter feito para sentir vergonha em apenas ser? Hoje não preciso que me respondas, a questão, cada vez mais, me faz menos sentido. E por isso liberto-me, dia após dia, de ti. Um pouco mais de Orgulho. Dos bons e evidentes. Visível. Serei.

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12:11:2018

Há novidades que nos obrigam a pensar – e repensar – aquilo que julgávamos ter como certo. Como se a certeza fosse alguma vez boa conselheira na forma como nos olhamos. Há novidades que nos soam primeiro a ameaças quando na realidade não passam de atalhos para alcançarmos um fim. Fim esse que não passa de um ponto e vírgula, porque  percorrer-te a pele é infinito. São formas de dizer algo que as palavras não simbolizam por completo. E é também essa a ilusão que uma novidade pode fazer acreditar, que algo não está completo e, como tal, pensamos nós, está em falta. Mas longe essa a verdade. Porque se, sim, há novos olhares e novas peles em nosso redor, a novidade, essa, acontece em nós. Porque é contigo que nunca vivi algo assim, é contigo que nunca vivi tanto tempo o mais livre que este corpo e esta mente me permitem viver, é contigo que olho os desafios de frente sem pestanejar, porque é contigo que me imagino do lado de lá. Por isso não deixemos que as duvidas se instalem nunca, ou pelo menos não o suficiente para que nos façam sofrer por algo sem pés nem cabeça, porque as novidades, acredita-me, são sempre contigo.

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14:09:2018

O corpo é meu. Mas não está sozinho. Quantas vezes descuramos a mente? Quantas vezes minoramos o corpo? Como se um e outro fossem distintos, imiscíveis, como se um não se refletisse no outro. Como se um não tivesse influência direta no outro. E no entanto, há vezes em que desprezamos, repudiamos até, um e outro. Corpo e mente, grandes ou pequenos, limitam-nos. E, no entanto, se conseguirmos encontrar um equilíbrio perfeito entre um e outro, têm o poder de nos ilimitar. Fazem-nos correr mais rápido ou refutar preconceitos com maior afinco. Um e outro, corpo e mente. Há alturas em que um nos fica aquém, por vezes com as expetativas que temos – ou têm – nele. Ganhamos ou perdemos peso, os dias parecem-nos cinzentos e opacos. E uma coisa leva a outra, quando damos por isso estamos com um corpo e uma mente que não (re)conhecemos. E estes períodos podem efetivamente arrastar-se por meses, anos, décadas. Ao ponto em que esta massa e este vazio começam a confundir-se com quem somos. E então, a partir de certo ponto, começamos a acreditar que assim somos. Não vemos diferença entre nós e aquela pessoa no espelho, na sombra, nós. Como se não bastasse, as pessoas com quem lidamos no dia a dia começam igualmente a acreditar que aquela carne despegada, aquele olhar vazio é nosso. E tudo isto se arquiteta na construção de uma imagem que passa a ser a nossa. Quando nos esquecemos e se esquecem de quem éramos, passamos a ser aquilo que somos. Qual a diferença entre ser e não ser se não há dia, mês, ano em que não sejamos assim em vez de assado? Quem distingue? Quem arbitra? Eu? Tu? Não é por acaso que quando nos conseguimos a agarrar a uma, por vezes inesperada, luz, sentimos estranheza. Será este o caminho que quero tomar? Será este o caminho que preciso tomar na vida para voltar a ser – acho, não sei – aquilo que fui antes? Como ter a certeza se tanto o corpo como a memória te falham e permaneces na ignorância até lá chegares? Mas seguimos caminho, nem sempre com a honesta motivação que dizemos ter a quem nos ouve. Quantas vezes ficámos pelo caminho e lá regressámos ao nosso olhar vazio, ao nosso peso que nos esmaga um dia de cada vez. Pior, quantas vezes já nos obrigámos a colocar a máscara da boa-disposição, da eteeerna boa-disposição para que este abate que nos assola, corpo e alma, nunca chegue a ser o foco dos meus – e vossos – olhares. E lutamos, sem saber como ou porquê, por vezes com a motivação de uma simples palavra, murros no ar, caminho incerto, mas lá vamos. E uma vez que seja, chegamos a algures. É-nos vagamente familiar, tocamos aqui e ali, inspiramos fundo e reconhecemos este cheiro de uma outra vida. Sim, é este o espaço que ocupo – e ocupamos -, corpo e mente. E se há quem estranhe alguma mudança, se há quem sinta saudades do sorriso sempre posto, da disponibilidade sem hesitação, do sim e nunca do não, então é porque não percebe que na realidade sente falta de máscaras que não estou, nem estamos dispostos a colocar. Já não.

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22:11:2015

Não sei ao certo como escrever isto, de que me servem as palavras se estas desaparecem-me por entre os dedos mal eu as termine de escrever. Há lutas e sentimentos que de pouco valem se não forem partilhados, mas também há aqueles que o são e, no entanto, o vazio consegue, mesmo assim, preencher-nos. A nós e a eles. É uma sombra que, pouco antes de se por o sol, se alonga entre um eu e um tu. Alongados deitamo-nos sobre a terra, eternos na sua imensidão. E, no entanto, não passamos de sombras, se nos tentarem apanhar escaparemos ao vosso abraço. Paralelos seguimos, esticados até ao infinito, esse horizonte que nunca chega, até o mundo ser também ele tomado pela sombra. E tudo será sombra. E não haverá diferença alguma entre a minha e a tua. Não haverá diferença nem nada que nos distinga. E então pergunto: o que me distingue agora? Que é como quem diz: que diferença faço agora? E a única resposta que me surge é um absoluto ponto final

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24:08:2015

Um dia como este não devia nascer para que me lembre dele desta forma. Ver-te soprar as velas uma última vez, sabendo que assim seria e que o desenrolar da vida não era mais que o enrolar da bainha da morte. Hoje, e mais uma vez, não há velas, nem palmas, nem lágrimas nos olhos de ninguém. Porque este dia não existe nem nunca mais termina para que me esqueça eu dele.

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19:02:2015

Há poucas coisas na vida que me dão maior prazer que sentir o vento na face quando corro. Sabem, aquela espuma de sopro que refresca a pele e quanto mais corremos mais fluída ela parece? É isso, se me perguntarem é isso. E sei que um dia deixarei de correr, deixarei de sentir essa força que em mim embate e separo em duas, cada uma das partes para seu lado e eu no meio de ambas, rasgando o que era dantes uno e agora sou eu. Em cada corrida nasço no início, vivo durante e morro no final, rendido ao meu cansaço. E, no entanto, não deixa nunca de ser uma vida inteira, a passos largos, em linha recta ou a curvar como se a terra me quisesse atirar para fora dela. Sou toda a vida que posso um dia ser naqueles momentos e quando termino é o fim, meu e dela. E juntos morremos de coração aos pulos, um a pedir mais, outro a pedir menos, porque no fim, não nos tendo ensinado ninguém a lidar com ele, metemos os pés pelas mãos e fingimos desfalecer na esperança que alguém nos veja e perceba que não passa de uma brincadeira. E até lá mortos ficamos, parecendo vivos por mero engano e capricho. Não passamos de bicho-carpinteiro, a erguer joelhos vida fora para no fim tombarmos sufocados pelo caruncho que nos mastiga por dentro, até ao último dedo.

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19:01:2015

As palavras são representações daquilo que queremos que elas signifiquem, quer sejamos a pessoa que as diz, quer sejamos a pessoa que as escuta ou lê. E nada pode ser mais irónico que vislumbrar a duplicidade que uma palavra pode conter dependendo do momento em que esta existe. Um dia um casamento, cheio de ideias, planos e esperança num futuro que se julga na mão. No dia seguinte um funeral, cheio de memórias das ideias e dos planos que se realizaram ou não. E, no entanto, as palavras que aquele padre disse foram as mesmas. Pai nosso que estais no céu. E nestes dois dias percebi que o céu só depende para onde olhamos, para cima ou para baixo. Para ti e os teus olhos que se abrem num sorriso. Ou para a cova que se abre e, por fim, se fecha numa mão cheia de terra e de tudo o que fomos um dia capaz de ser. Fim.

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03:11:2014

A loja de animais no primeiro andar de um centro-comercial antigo e apertado repete-se nos sonhos. Acabo sempre por lá voltar e vejo os peixes aprisionados nos seus aquários provisórios. A loja ocupa todo o andar e nas escadas já guardados os peixes mais velhos, alguns mortos. Sinto a alegria juvenil de uma criança que descobre um mundo mas no final termino triste por todo aquele quadro de água podre e peixes à tona dela, rebentados de tudo aquilo.

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